Manifesto do CPSA

para as Eleições Legislativas de 10 de março de 2024

Introdução

Em 28 de julho de 2022 a Organização das Nações Unidas decretou um novo direito: o direito a um ambiente limpo, saudável e sustentável. No entanto, sabemos que esse ambiente já não existe. Crescemos de mil milhões de pessoas para oito mil milhões em 220 anos e, desde 1970, excedemos a capacidade de regeneração do planeta. Nove em cada dez crianças, a nível global, respiram ar que excede os limites de poluição estabelecidos pela Organização Mundial de Saúde. O ano de 2023 foi o mais quente alguma vez registado. O planeta já sofreu um aumento de temperatura de 1,18º C em relação à época pré-industrial e existe uma probabilidade muito elevada de se atingir o marco de 1,5º C no decorrer desta década, ultrapassando o limite que o Acordo de Paris tinha estabelecido para 2100. No Canadá, em 2023, ardeu uma extensão de florestas equivalente a 17 milhões de campos de futebol. A seca é um problema grave no Sul da Península Ibérica e estima-se que afete 75% da população mundial em 2050. Cerca de 75% da superfície terrestre livre de gelo já foi alterada e existem um milhão de espécies em risco de extinção.

Estas alterações ambientais estão a ter um profundo impacto na saúde das populações, particularmente nas populações mais vulneráveis, sendo responsáveis por cerca de 13 milhões de mortes, um quarto das mortes a nível global.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, dizia em julho de 2023: “A época do aquecimento global acabou, entrámos na era da ebulição global”. O Papa Francisco na sua exortação apostólica Laudate Deum de 4 de outubro de 2023, afirmava: “Este mundo que nos acolhe está a esboroar-se e talvez a aproximar-se de um ponto de rutura”. Os alertas não faltam. A informação está à frente dos nossos olhos. A degradação do mundo natural causada por uma cultura predatória e consumista e pelo imperativo capitalista do lucro a qualquer custo é uma evidência quotidiana e a saúde humana acusa as marcas dessa transformação.

Este é o desafio mais complexo que enfrentamos no mundo. Um desafio que exige a colaboração de todos, a todos os níveis, das nossas ações coletivas como sociedades e como países aos nossos comportamentos individuais. 

Para defender a saúde dos nossos concidadãos, os profissionais de saúde e as organizações da saúde devem intervir neste combate, envolvendo-se na luta contra as alterações climáticas, a degradação ambiental e o seu impacto na saúde das populações, reduzindo a pegada ecológica do sector da saúde (que em Portugal é responsável pela emissão de 4,8% dos gases com efeito de estufa), adotando boas práticas de sustentabilidade ambiental, promovendo a consciencialização e a educação do público e dos profissionais de saúde, investindo na investigação, capacitando o sistema de saúde para dar resposta às consequências destas alterações, e adotando comportamentos amigos do ambiente.

Foi desta necessidade e com estes objetivos que nasceu, em outubro de 2022, o Conselho Português para a Saúde e Ambiente (CPSA). Reunimos atualmente 74 das principais organizações de saúde e somos a aliança mais transversal na área da saúde em Portugal.

Com a autoridade e a responsabilidade desta representatividade, numa altura em que se definem os programas eleitorais que serão votados nas próximas eleições legislativas, o CPSA apela a todos os partidos para que incluam nos seus programas medidas concretas e definam metas que levem ao cumprimento dos objetivos referidos.

 

As propostas do CPSA

Com vista a reduzir o impacto das alterações climáticas e da degradação ambiental na saúde da população, propomos: 

  1. Implementação do conceito de Ambiente em Todas as Políticas, transplantando o conceito da Saúde em Todas as Políticas adotado pela Organização Mundial de Saúde para enfatizar a responsabilidade das políticas públicas dos vários sectores da governação na modificação dos principais determinantes da saúde e da equidade. Isto significa que a defesa do ambiente deve ser um critério em todas as decisões, a todos os níveis de decisão.
  2. Todas as decisões sobre políticas públicas devem ser apoiadas pelo conhecimento científico.
  3. Deve ser posta em prática uma estratégia nacional e estratégias sectoriais para a identificação, priorização e implementação de ações de mitigação e adaptação, com metas bem definidas.
  4. A introdução da Economia Circular numa lógica One Health deve ser transversal a todos os objetivos.
  5. Criação de uma Base de Dados de Indicadores Ambientais e de Saúde atualizada e de acesso aberto e com cobertura de todo o território nacional, que possa constituir uma ferramenta de apoio à avaliação e monitorização das políticas, assim como de mobilização da população em defesa dos objetivos ambientais.

Para aumentar a consciencialização e educação dos profissionais de saúde e do público em relação a estes temas deve-se:

  1. Investir na consciencialização e literacia ambiental do público e dos profissionais de saúde, relativamente à importância das alterações climáticas e da degradação ambiental e ao seu impacto na saúde, assim como na modificação dos comportamentos individuais.
  2. Introduzir estes tópicos na formação pré e pós-graduada dos profissionais de saúde e nas áreas de conhecimento que desenvolvem soluções para a saúde.
  3. Estimular e apoiar a investigação destes temas, particularmente no conhecimento da sua repercussão a nível nacional e regional.
  4. Definir metas explícitas para o cumprimento destes objetivos e criar um sistema de avaliação e de monitorização dos principais indicadores.

Para reduzir a pegada ecológica do sector da saúde deve-se:

  1. Promover uma estratégia nacional para todo o sistema de saúde com este objetivo, com identificação e implementação de ações a todos os níveis e metas bem definidas. Muitas destas medidas resultam em avultadas poupanças a médio e a longo prazo mesmo que possam implicar investimentos a curto prazo.
  2. Elaborar, publicar e implementar boas práticas de sustentabilidade ambiental nas instituições de saúde, envolvendo todos os profissionais, para identificar os produtos e processos que geram mais emissões de GEE, mais desperdício e mais poluição. São muitas as oportunidades para melhorar a sustentabilidade no sector da saúde, a começar pela eficiência energética, os sistemas de aquecimento e arrefecimento, a utilização da água e os transportes. Na área clínica citamos como exemplos a utilização de alternativas aos gases anestésicos com efeito de estufa, a reutilização de dispositivos ditos “de uso único” ou a reciclagem do Blue Wrap, mas também medidas a nível dos outros sectores que mais contribuem para a emissão de GEE, para o desperdício e para a poluição ambiental.
  3. A introdução de critérios ambientais na escolha de medicamentos e vacinas, a utilização em todos os seus processos, concretamente de fabrico, assim como no acondicionamento e embalagem dos seus produtos.
  4. Promover a existência de um Serviço de Sustentabilidade Ambiental, em cada instituição de saúde, que apoie os serviços na definição e implementação de boas práticas de sustentabilidade ambiental.
  5. Rever com carácter de urgência leis obsoletas, como a lei dos resíduos ou a proibição de reutilização de dispositivos médicos, que representam um obstáculo à implementação de boas práticas de sustentabilidade ambiental.
  6. Incluir com carácter obrigatório critérios de emissões líquidas de GEE nulas, condizentes com as metas definidas no roteiro português de neutralidade climática nas contratações e adjudicações públicas, bem como recomendar a mesma prática às entidades privadas do sistema de saúde português.
  7. Incentivar os hospitais a obterem a certificação de “Hospitais Verdes”.
  8. Implementar nas instituições de saúde medidas transversais como a redução da utilização de folhetos e documentos em papel; promover o recurso a reuniões virtuais; promover uma jornada cada vez mais híbrida dos doentes no sistema de saúde, com pontos de contato digitais e humanos; promover estilos de vida saudáveis na prática clínica, bem como uma medicina de proximidade; reduzir o excesso de rastreio, o sobrediagnóstico e o tratamento excessivo.
  9. Medir e publicar anualmente a pegada carbónica de todas as organizações intervenientes no Sistema de Saúde Português, bem como os resultados das suas estratégias de redução dessa pegada, de acordo com o relatório sobre a “Pegada de carbono do sector da saúde português e caminhos para a mitigação – projeto operation zero” de 21 de dezembro de 2022.

Para capacitar o sistema de saúde para responder às consequências dos fatores ambientais na saúde das populações é necessário:

  1. Criar um sistema de notificação das doenças e condições de saúde relacionadas com as alterações climáticas e a degradação ambiental (correlação e causalidade, quando possível): golpes de calor-doença cardio e cerebrovascular; mudança de habitat de vetores-quadros infeciosos; qualidade do ar-asma e doença pulmonar obstrutiva crónica, qualidade da água-doenças infeciosas; etc.
  2. Desenvolver modelos preditivos em relação a estas temáticas, que facilitem a prescrição atempada de medidas corretivas.
  3. Introduzir e divulgar alertas públicos em função da ameaça na saúde pública 
  4. de problemas relacionados com alterações climáticas ou degradação ambiental.
  5. Garantir a existência de planos de emergência a nível institucional, local, regional e nacional, com gestão centralizada, que permitam aumentar a resiliência do sistema de saúde à atual transição epidemiológica e ao maior risco de catástrofes climáticas, incluindo a emergência de uma nova pandemia.
  6. Dotar os hospitais de flexibilidade, escalabilidade e uma organização matricial; integrar os diferentes níveis de cuidados; ter presente a necessidade de diminuir o trajeto dos doentes; disseminar a telemedicina; robustecer os sistemas de informação e comunicação; dotar as instituições de saúde dos recursos humanos adequados e suficientes, mantendo nos hospitais especialidades generalistas como a Pediatria e a Medicina Interna pela sua polivalência, versatilidade, eficácia e capacidade de coordenação, bem como dotar todos os hospitais de Técnicos de Saúde Ambiental.
  7. Instituir metas explícitas para o cumprimento destes objetivos e criar um sistema de monitorização e avaliação dos principais indicadores.

Pela direção do CPSA

Luís Campos

Presidente do CPSA

Lisboa, 31 de janeiro de 2024