Texto da intervenção de Luís Campos, presidente do Conselho Português para a Saúde e Ambiente, na sessão solene de apresentação do Conselho, que teve lugar a 31 de Outubro de 2022, na Fundação Calouste Gulbenkian.
“Pertenço a uma geração que assistiu às mais fantásticas e rápidas mudanças da história da humanidade, científicas, tecnológicas, sociológicas e culturais, no entanto, com o decorrer dos anos, fomos também ganhando a triste consciência de que vamos deixar este planeta em pior estado do que o que recebemos dos nossos pais, mais degradado, mais inseguro e à beira da insustentabilidade.
O secretário geral da ONU, Dr. António Guterres dizia, no encerramento da COP 26: “Estamos a cavar as nossas tumbas”.
A verdade é que estamos assustados e carregamos um sentimento de culpa.
As consequências do aquecimento global são dramáticas, mas, para além das mudanças climáticas, outros fenómenos estão a afetar os seres humanos: a superpopulação, as desigualdades, a crise económica, o crescimento dos regimes autocráticos, a ameaça nuclear, a perda da biodiversidade, a degradação dos ecossistemas e o esgotamento das reservas naturais.
O aumento da temperatura até ao fim do século pode variar entre 1,5 a 5 graus centígrados: teríamos que reduzir a atual emissão de gases com efeito de estufa (GEE) nos próximos dez anos para limitar esse aumento a 1,5 graus.
O crescimento da população mundial é avassalador: levámos 200.000 anos para atingir o primeiro bilião, no ano de 1804, mas, desde então, apenas 218 anos para atingir o número atual de 7,8 biliões. O planeta já não suporta esta população: desde 1970, a nossa pegada ecológica excedeu a taxa de regeneração da Terra. Enquanto isso ocorre, um dos maiores fabricantes de hambúrgueres do mundo gasta tanta água como a água potável consumida por dez países africanos.
A dimensão da iniquidade é chocante: os 62 bilionários mais ricos possuem tanta riqueza quanto a metade mais pobre da população mundial. E esta desigualdade acentuou-se durante a pandemia [de COVID-19].
A perda da biodiversidade está bem expressa no facto de existirem cerca de um milhão de animais e plantas em vias de extinção. A degradação dos ecossistemas tem uma expressão brutal no nosso país: nos últimos 20 anos ardeu 31% do território continental, o que equivale a 2,6 milhões de campos de futebol.
O reconhecimento de que as atividades humanas começaram a ter um efeito global substancial sobre os sistemas da Terra levou à proposta de definir a atual época geológica como a época do Antropoceno.
Muitas mudanças devido a emissões de gases com efeito de estufa, passadas e futuras, são irreversíveis, especialmente as mudanças nos oceanos, nas camadas de gelo e no nível do mar.
Todas estas alterações já estão a ter um impacto significativo na saúde das pessoas: estima-se que mais de cinco milhões de mortes possam ser atribuídas a temperaturas extremas e que a poluição seja atualmente responsável por cerca de 9 milhões de mortes por ano. O risco de pandemias provocadas por zoonoses está a aumentar. As doenças relacionadas com a qualidade da água e as consequências da sua escassez, assim como a falta de alimentos, estão a abater-se sobre as populações. A degradação do meio ambiente e dos ecossistemas está a acentuar os movimentos migratórios, os conflitos e as doenças mentais. A ocorrência cada vez mais frequente de ciclones, inundações, secas e incêndios é a origem de muitas vítimas. A prevalência das doenças mais influenciadas pelo ambiente como as doenças vasculares, a asma, a doença pulmonar obstrutiva crónica e o cancro irá aumentar.
Por outro lado, o setor de saúde tem uma pegada ecológica que equivale a 4,4% das emissões líquidas globais de GEE. Se o setor da saúde fosse um país, seria o quinto maior emissor do planeta.
Nós, profissionais de saúde, temos a obrigação ética de nos envolver nesta luta, enquanto cidadãos, pais e cuidadores.
Na verdade, já há muitos bons exemplos de programas de sustentabilidade a nível de muitas organizações de saúde e de hospitais, mas falta uma voz comum que se faça ouvir de forma mais clara, falta inteligência colaborativa, a criação de sinergias e uma estratégia comum. É essa ambição que levou à criação do Conselho Português para a Saúde e Ambiente
Com a força que nos advém de representar 39 organizações e muitas outras que se irão juntar, seremos defensores de medidas que reduzam a emissão de GEE e a degradação ambiental e as suas consequências sobre a saúde das pessoas, sobretudo as populações mais vulneráveis.
Pretendemos exigir e contribuir para a redução da pegada ecológica do setor da saúde e para capacitar o sistema de saúde para responder a esta transição epidemiológica e a eventos inesperados.
Vamos identificar oportunidades, vamos exigir e denunciar, mas também nos disponibilizamos para ser parceiros para trazer a ciência para apoiar as decisões políticas neste âmbito.
Como constatou David Boyd, um perito da ONU, que esteve recentemente de visita a Portugal, estamos muito aquém do que podíamos estar em matéria ambiental. No campo da saúde temos legislação obsoleta e restritiva, falta uma estratégia nacional, um compromisso claro com objetivos e metas na redução da pegada ecológica e falta uma mobilização coletiva para este propósito. O NHS inglês é um exemplo desse compromisso.
Pretendemos contribuir para a conscientização da população e dos profissionais de saúde para este problema, para a mudança de comportamentos, para que as organizações ligadas à saúde e os profissionais de saúde sejam agentes ativos na defesa de práticas sustentáveis para o meio ambiente e se tornem modelos na adoção de comportamentos ecologicamente corretos, para que em cada área da saúde sejam identificadas oportunidades de melhoria na redução da pegada ecológica. Essa será uma das primeiras prioridades que pedimos aos membros fundadores deste conselho. Iremos também lutar pela adopção de uma ética ambiental pelas empresas, para que a retribuição do investimento não seja o único determinante das suas decisões, para melhorar a educação dos profissionais de saúde neste âmbito e incentivar a investigação.
Estamos numa corrida contra-relógio. Não estamos seguros que ainda seja possível reverter este caminho, mas uma coisa é certa: não vamos conseguir se não tentarmos.
A saúde humana está dependente da saúde do planeta.
Temos que defender o direito a uma vida sustentável, feliz e saudável para nós e para as próximas gerações. É essa a visão do Conselho Português para a Saúde e Ambiente! Para o Conselho, o trabalho começa agora. Contamos com todos.”